O Caminho de Manaus

4

Category : Diário

02/06/2010 – Quarta-feira, dia da partida de Santarém em busca de mais um estado brasileiro, o décimo, Amazonas, o qual possui a maior parte da floresta amazônica, é dele grande parte da origem do nome Amazônia, uma palavra que o coração pulsa forte ao ouvir-la.

Sem nenhuma noção palpável do que me esperava, seguia lentamente contra a corrente do rio amazonas à Manaus, com um detalhe diferente do trecho Belém – Santarém, o barco que viajava era muito menor e a tripulação parecia triplicada, as redes se intercalavam surpreendentemente, lado a lado formavam uma bonita composição de cores e formas que racionalizavam e aproveitavam ao máximo o espaço – à noite quando todos estavam deitados pareciam mais casulos de lagartas – mover-se bruscamente é perigoso devido ao risco de chutar a cabeça do vizinho e vice-versa.

Ao contrário do dia e do que pensava a noite é fria – da floresta saem ventos frios que gelam a madrugada, sem saco de dormir, o que me salvava era o edredom que carregava comigo, no entanto abaixo de mim, não havia qualquer proteção e os ventos gélidos desconfortavam um tanto à noite – pior ainda era quando as necessidades fisiológicas surgiam, sair da rede além de ser trabalhoso significava abandonar o aconchego caliente do edredom, descer e subir escadas, tarefa difícil.

AmbulantesAssim como o primeiro trecho, a viagem é encantadora, as belezas da floresta surpreendem por sua magnitude, os tons de verdes são infinitos e precisam de atenção para diferenciá-los – o único problema é falta de consciência dos passageiros, mesmo com a grande quantidade de lixeiros pelo barco as pessoas ainda jogam seu lixo no chão, da noite para o dia o barco vira um verdadeiro lixão – pior ainda é quando o lixo é atirado barco afora, destaque para os copos descartáveis, são os principais, me pergunto o que custa “adotar” um copo por toda a viagem – os hábitos são hereditários, crianças e adolescentes seguem os (não) princípios dos pais – em um dos dias da viagem, estava fotografando e também observando um garoto de seus 15 anos tomando refrigerante, já havia flagrado ele jogando copos no rio e esperava que não o fizesse novamente, ilusão a minha, assim que ele arremessa o copo no rio impulsivamente eu dou uma bronca nele, envergonhado o menino abaixa a cabeça e vai pro seu canto se esconder, espero que sirva de lição e nunca mais volte a fazer isso, as cidades e a natureza agradece.

Na viagem eu pude passar pela cidade de Parintins, onde acontece no último fim de semana de Junho o Festival Folclórico de Parintins, uma festa cultural do estado do Amazonas – a beleza dele se dá pela peculiaridade do ritmo chamado de toada acompanhado pelas letras das músicas, que remetem a cultura amazonense, mitos e cultura indígena – além disso a paixão que os amazonenses tem pelo evento é de se encantar e nos dá orgulho de ser brasileiro.

Após dois dias e meio de viagem, Manaus dá as boas vindas, o encontro dos rios Amazonas e Negro anuncia a chegada, outra coisa que não esperava também despertava a atenção e  alerta, uma fumaça cinza acima da cidade, me lembra o céu poluído de São Paulo e outras grandes cidades – havia me iludido pelo nome Amazônia, definitivamente ela não impede que Manaus seja poluída. Desembarcado sigo para casa de Isadora e sua mãe Ivanilde que irão me receber nesses primeiros dias na capital do amazonas.

http://farm2.static.flickr.com/1413/5114732712_6fca7511c9.jpg

Bem Vindo Amazônia

3

Category : Diário

22/05/2010 – Batizada com o mesmo nome de uma cidade de Portugal, Santarém do Pará é também conhecida como a “Pérola do Tapajó”, pequena e simpática foi também palco do ciclo da borracha e é a segunda maior cidade do estado. Sua estrutura me assustou um pouco pelo número de motocicletas existentes, a cidade é movida por duas rodas motorizadas, com um número de mulheres bastante expressivo na direção, progresso? Até onde?

Santarém se deve especialmente por uma pessoa, Juliane, integrante do dez por horas, foi quem me ofereceu suporte e um calor familiar, sua mãe Julia, irmão Carlinhos e seu pai João me abraçaram e confortaram a minha saudade de casa, são momentos essenciais na minha vida nômade. Existem também duas pessoas que não pode esquecer, Eliene e Endriny, cunhada e sobrinha de Juliane, foram figuras de muitas risadas e brincadeiras especialmente pela ilustre Endriny e sua fase dos “porquês” que me lembra minha sobrinha que cada dia cresce mais.

Depois de alguns dias segui para a famosa Alter do Chão, conhecida como o “caribe brasileiro”, todos me falavam que deveria conhecer, o mais engraçado foi acostumar com a idéia de “praia” – como assim? Não é um rio? – Sim, praia de rio! – pra mim, praia é de água salgada e geralmente tem onda. – as diferenças culturais vão se tornando cada vez mais forte.

Na estrada, a 5km de Alter do chão, paro para observar uma aula bem diferente e em um ambiente inusitado, do qual não estou acostumado, no meio da floresta e embaixo de uma palhoça, posteriormente fiquei sabendo que ali funciona a escola da selva onde é dada aulas de conscientização do meio ambiente. Enquanto observava e escutava atentamente as palavras do professor, um ciclo viajante vem subindo a ladeira e se aproximando, era o Flipper – aparentando ter mais de 40 anos, tinha sua pele bastante queimada do sol e não parecia se preocupar ou se proteger dele, sua bicicleta marrom da cor do barro e ferrugem que a encobria parecia muito mal tratada e não via a um bom tempo uma revisão, mas uma coisa era certa e evidente, o Flipper encontrou na bicicleta a liberdade e felicidade, além de não parecer que ia parar tão cedo de viajar sobre duas rodas, ele me contou que estava viajando a 6 anos já e conhecia boa parte do Brasil e alguns países da América do sul, nos despedimos e aprendo a lição de força de vontade de um guerreiro.

Logo que cheguei, fui direto para a praia, de rio, ficar flutuando no tapajós enquanto dava a hora de fazer o bate papo com a criançada do ponto de cultura, uma escola muito legal que ensina muito para as crianças sobre meio ambiente e a sua preservação, afinal de contas a região é extremamente propícia, a rica Amazônia sofre constantemente com o desmatamento e exploração insustentável de seus recursos.

A pequena cidade de Alter do Chão é muito simpática, bastante simples, de pessoas acolhedoras e com uma beleza natural exuberante, tendo o rio tapajós como o seu principal protagonista – a bacia de rio da a forma sinuosa da paisagem e torna as águas calmas, refletindo em sua superfície a beleza da natureza – os pequenos barcos de pescadores compões não só a cultura local mas refletem a simplicidade de viver do rio – o calçadão com os desenhos do muiraquitã remetem a cultura amazônica, dos nossos índios, este é um símbolo do Amazonas, sentir esses lugares é sentir um Brasil diferente de tudo, uma cultura riquíssima que da aquela inveja boa!

“Conforme o livro Macunaíma, de Mário de Andrade, as índias icamiabas, mulheres guerreiras que habitavam o baixo Amazonas, ofertavam o muiraquitã aos índios da tribo mais próxima, os guacaris, depois do acasalamento, na Festa de Iaci, divindade-mãe do muiraquitã. A mística do presente oferecido aos índios visava a encorajar a fidelidade a elas e para que, ao exibirem-no, fossem respeitados, pois presentear um índio com um muiraquitã representava o ato sexual consumado entre uma Icamiaba e um índio. As icamiabas compunham uma sociedade rigorosamente matriarcal e se dessa união nascessem filhos masculinos, estes seriam sacrificados, deixando sobreviver somente os de sexo feminino.” (fonte: pt.wikipedia.org/ data: 20/09/2010)

No dia seguinte parti para a cidade de Belterra, por uma estrada de terra a pouco mais de 30km de Alter do chão, uma das cidades berço da era da borracha, localizada em “… uma planície elevada às margens do Rio Tapajós, coberta por densa floresta. A essa área a companhia Ford chamou de ‘Bela Terra’, que depois passou a ser chamada de ‘Belterra’. A partir daí, o projeto começava a se tornar realidade, e Belterra ficou conhecida como “a cidade americana no coração da Amazônia”.” (fonte: pt.wikipedia.org/ data: 20/09/2010)

A cidade é literalmente uma viagem em uma cultura completamente diferente do Brasil, muito charmosa e cheia de história – de fato parece uma viagem em um antigo filme americano, com as ruas de pedra, casas de madeira e a típica varanda frontal, e até hidrantes na calçada existe. Quem me guiou na cidade foi Mônica e a criançada do Telecentro, o passeio não poderia ser em outro veículo, fomos todos de bicicleta pela cidade, pedalando, brincando, contando histórias e aprendendo uns com os outros.

No dia seguinte tive que retornar para Alter do chão e depois para Santarém, e infelizmente não consegui chegar até a flona do Tapajós para conhecer as gigantes sumaúmas, uma árvore de tronco largo e que pode chegar até 70 metros de altura, a maior ou uma das maiores da nossa flora, esse é um passeio que definitivamente deve-se fazer.  De volta a Santarém fico mais uns dias e depois sigo para Manaus, novamente de Barco – esses dias foram de muito aprendizado sobre a natureza, história do Brasil e o ciclo da borracha e seus os impactos humanos.

Navegando pelo Amazonas

2

Category : Diário

19/05/2010 – Depois da trilha do mangustão ainda tive pouco mais de duas semanas na bela Belém, nesse período fiquei na casa de Ivan Lopes, um irmão e grande amigo que ganhei no Pará, um cara simples e de coração gigante, fico muito agradecido por sua companhia e hospitalidade. Além dele ganhei mais dois casais como amigos, Gustavo e Gabi e Romero e Jô, me proporcionaram noites de muitas risadas, jogando Wii, saindo a noite para conhecer Belém, tudo isso só dificultou ainda mais a minha partida da cidade, eu me apego muito fácil as pessoas e nas despedidas sempre ficam o sentimento de saudade.

Belém foi uma explosão de encontro de boas pessoas, uma cidade em que guardo um carinho enorme e ótimas lembranças sou eternamente grato a Ivan Lopes, Romero, Jô, Gustavo, Gabi, Fábio Talui, Elisa, Murillo, Sérgio, Leon, Suzanne, Carol, Marquinhos, João, Carlinhos, Guilherme, Aninha, Paulinha, Velasco, Gabriel, Cidália, Cidalinha e toda a galera “pai d’égua” do Couch Surfing que conheci.

Era chegada a hora do embarque, com a passagem comprada a poucos dias atrás com um cambista tive a maior dor de cabeça e quase que não consigo embarcar, o bilhete que havia comprado não era para aquele porto e não tinha mais tempo para ir até o outro, já estava em cima da hora, além de que me falaram que a estrada até lá era perigosa. Liguei para o infeliz e ele já não estava mais nas docas, um outro cambista veio falar comigo, ofereci então R$ 20,00 para ele fazer a troca da passagem, já que no guichê não tinha essa possibilidade, a passagem para Santarém no final me custou R$ 120,00 e um aprendizado, nunca compre bilhete com cambista, as vezes você quer ajudar mas só vai ter raiva com tanta desonestidade.

Passada toda a agonia do embarque no navio agora era só relaxar em minha rede e assistir o rio passar na companhia do “Pelos Caminhos de Nuestra América” – livro do Rafael Limaverde, desde Fortaleza que venho carregando ele e não conseguia terminar de ler, mas finalmente esse era o momento perfeito, meus segundo seriam exclusivos para leitura e reflexão da viagem, já são 9 meses fora de casa em uma viagem de bicicleta. A cada página que vou lendo do livro de Rafael consigo me ver em diversos momentos, a cada palavra percebo como pensamos de forma semelhante a respeito de uma viagem de bicicleta.

Viagem dos Sentidos

A bicicleta te dá a possibilidade  de sentir um local mais do que qualquer outro tipo de transporte. Cada local tem um perfume, cheiro de fumo brabo, às vezes a farinha torrando. Algumas vezes é catinga de carniça, outra é o perfume das senhoras na parada de ônibus indo pra missa. Sentir os cheiros do Mundo.

O silencio da bicicleta faz também você ouvir os sons da natureza, das maquinas agrícolas, do choro do menino, das risadas e dos murmurinhos.

O olhar também é mágico. Os 14 segundos  que você passa pedalando pela frente de uma casa à beira da estrada já te dá uma idéia de como eles vivem. Como as constroem, como cozinham,  o que fazem, como trabalham e como descansam. Como as crianças brincam, as brigas, os amores… A pouca velocidade faz você perceber todos esses detalhes e melhor é que não interfere na sua rotina a não ser aqueles poucos segundos que eles param para te olhar. Na verdade, viajar de bicicleta é uma troca de “perceberes”. (Rafael Limaverde)

Dessa forma vão passando as horas, as vezes lendo, as vezes fotografando ou observando as pequenas vilas ribeirinhas de onde saem crianças e mulheres em pequenas canoas e barcos pedindo doação às pessoas – me pergunto sobre o que eles realmente precisam e não consigo achar uma resposta, fato é que é triste ver várias crianças pedindo enquanto na verdade deveriam estar brincando ou estudando – a outra situação são das crianças em uma pequena canoa, remando em sincronia e rapidamente na direção do navio para vender as frutas, são os ambulantes ribeirinhos – quando chegam próximo a lateral, com muita destreza lançam um gancho ao pneu de proteção do navio atracando-se, mais parecem boiadeiros, a velocidade do navio exige uma grande habilidade para evitar a perda do controle da canoa, enquanto um controla a direção dela o outro aos poucos puxa a corda para ancorar-se ao navio, tudo acontece muito rápido, feito isso eles colocam os baldes na cabeça e saem vendendo frutas diversas e camarão seco – deve ter cuidado também com os furtos, qualquer vacilo eles atiram-se junto com as mochilas rio abaixo restando somente a roupa do corpo pois provavelmente o barco não fará nada para recuperar os pertences.

      

A viagem é muito gostosa e poderia ser melhor se o barco tivesse maior qualidade, o sol na Amazônia não alivia e próximo do meio dia o calor é intenso, mesmo na sombra, fato é que o barco não possui nenhuma proteção, esquentando a lataria dele transmitindo o calor para dentro dos ambientes – banho de hora em hora, chego a tomar 6 banhos por dia para aliviar o calor – a comida é extremamente limitada, variedade não existe a opção é uma só – a trilha sonora na verdade é uma tortura aos ouvidos – uma pena esse serviço ser de mal qualidade, pois poderia ser uma forte vertente para o turismo e geração de emprego e renda – o navio que estava a bordo se chamava Rondônia.

Penúltimo dia de viagem, era uma tarde muito quente, eu estava a fotografar as belas paisagens do amazonas quando ouso um grito de socorro dentro do barco, olho para trás, um senhor com seus 81 anos estava desacordado e sua filha desesperada pedia ajuda, corro para tentar ajudar, por 10 segundos me sinto completamente incapaz de fazer alguma coisa, não movia um músculo até quando percebi que tinha que retira-lo para um lugar mais arejado, eu e mais 3 rapazes conseguimos mudá-lo de espaço ele re-acordou e então levamos ele para a enfermaria, infelizmente o Sr. Francisco não resistiu, o barco não possuía os equipamentos necessários para primeiros socorros como também não haviam pessoas capazes da fazer um atendimento de emergência, a única enfermeira presente estava mais perdida do que todo mundo, definitivamente uma fatalidade que poderia ter sido evitada caso o proprietário do navio tivesse o mínimo respeito pelos seus clientes e as fiscalização cobrasse deles.

Chego a Santarém com um sentimento estranho, de questionamento, pensando no sentido da vida, como as vezes deixamos escapá-la e/ou perdemos tempo com coisas supérfluas, guardando rancores antigos e não perdoando aqueles de qual gostamos e temos certa afinidade. A vida é pra ser vivida de forma que nos faça feliz, ajudando sempre o próximo com solidariedade e humildade, respeitando o meio em que vivemos garantindo a sustentabilidade seja ela qual for.

Veja o album completo da viagem aqui.

Gostou do nosso diário?
Assine e receba diretamente as atualizações no seu e-mail,
de forma rápida e prática você ficará sabendo dos relatos de viagem.
Insira seu email:  

Emails entregues pelo Google.
Você poderá remover seu email a qualquer momento.