Segundo dia de pedalada, estava um ótimo dia para seguir viagem, a presença da floresta deixa as manhãs com um clima ameno e uma leve e bonita neblina no ar. Para continuar com as condições do início da viagem mais ladeiras pelo próximos 30 km, depois suavizadas. A medida que chega próximo ao meio dia o calor aumenta insuportavelmente, por volta das 11:00 AM encontro uma pequena mercearia – uma simples construção de madeira que no final de semana provavelmente vira um reduto de bêbados, as latas de cervejas jogadas nos arredores da casa denuncia, sorte a minha em passar em uma segunda-feira, perfeito para me proteger do sol e de lambuja tomar um refrescante banho – depois de descansar pego meu kit de cozinha para então fazer meu almoço, o cardápio, macarrão instantâneo com ervilhas, em seguida ateio minha boa e velha rede e tenho um merecido descanso, um tanto desconfortável devido ao intenso calor ambiente.
Dou continuidade a viagem lá pelas 3:00 PM, a ladeiras são suaves mas as retas infinitas, de perder o horizonte, como um gigante funil de laterais formadas por lagos com os típicos buritis, palmeiras que compõe a floresta amazônica, a sua presença denuncia a presença de água aos redores, geralmente eles estão localizadas em regiões alagadiças. Compondo a flora, inúmeras araras sobrevoam a região, amarelas, vermelhas e fui feliz em ver um casal de arara azul, uma raridade, pois atualmente está extinção, é um verdadeiro zoológico natural, onde a fauna está em seu habitat livre das cinzentas grades quadriculadas – um fato interessante é que as araras são animais extremamente fieis ao seu companheiro(a), ao encontrar o seu par, nunca mais se separam – minha felicidade maior estava ao ver os tucanos de bico branco, uma espécie que eu nunca havia visto pessoalmente, discretos, eles ficam muito escondidos em meio a mata, é preciso presta muita atenção – nesse momento já é final de tarde, vou chegando aos 110 km de trajeto e a parada que antecede a reserva indígena Waimiri-Atroari, a tão comentada e questionada travessia – me alojo no ultimo restaurante da pequena vila, batizo-o de miss simpatia – o dono é um homem com seus 50 e tantos anos, mal humorado e rancoroso salvo por uma senhora de pele enrugada que denuncia sua elevada idade e experiência de vida, sempre me trata com um leve e simpático sorriso no rosto que me faz lembrar dos meus avós.
Terceiro dia, a ansiedade tomava conta do meu corpo, esse era o grande dia, as especulações e o medo das pessoas a respeito da reserva tornou-a ainda mais mística – ouvi de tudo, que os índios iam me comer, que se me pegassem tirando foto iam quebrar minha câmera, se parasse ia ter encrenca, um pouco de tudo, enfim, as 7:30 AM estava cruzando o portão de entrada – a paisagem exuberante da floresta preservada encanta, logo no início um grande lago espelhando o céu azul daquele bonito dia com inúmeras palmeiras e ao fundo grandes árvores competindo para quem topa mais alto compõe o visual. (conheça mais sobre a história da reserva)
São 126 km, sem poder parar muito, no início eu até ficava meio preocupado com longas paradas, mas por volta dos 60 km meu joelho voltou a doer, conseqüências do primeiro dia de pedal, e me forçaram a parar um tempo na estrada para descansar, era só metade do caminho, o que me preocupava bastante – o bom da parada no meio do nada me permitiu curtir a natureza selvagem – o trecho da reserva é extremamente preservado, o gigante organismo tenta retomar o que lhe foi roubado, em alguns trechos as árvores invadem a pista mostrando quem tem o poder – era também possível ver alguns macacos saltando de galho em galho, inúmeras borboletas e pássaros com seus vôos caprichosos.
Sigo a pedalada por mais 30 km e uma nova pausa, dentro da reserva ainda existem ladeiras que exige muito do corpo e o joelho sofre bastante com elas, já estava no limite, mas como não passava nenhum carro tinha que continuar pedalando chegando ao ponto de usar uma perna só. Cheguei aos 116 km e finalmente consegui uma carona para me deixar no final da reserva – um caminhão baú atendeu meu pedido de socorro, o motorista do Paraná e o seu parceiro da Bahia que fumava cigarro e tomava cachaça, eles transportavam adubo para uma pequena cidade de Roraima – era por volta das 4:00 PM quando cheguei na Vila Jundiá, o outro lado da reserva, uma pedalada de extremos, a beleza e magia da reserva somada ao calor e a dor do corpo. Decidi ficar 1 dia em Jundiá para descansar o corpo e especialmente o joelho.
Após um dia de descanso no restaurante/lanchonete do bigode que fica posto de gasolina de Jundiá sigo o pedal, logo de cara vejo uma das paisagens mais bonitas da viagem, um lago que mais parecia um espelho, refletindo os buritis e o céu azul, capaz de enganar a mente através da fotografia, mais a frente um bando macacos brincavam nas árvores adjacentes a avenida e também araras sobrevoavam o céus, uma viagem onde a observação da fauna é um prato cheio e a torna encantadora.
Em pouco tempo chego a linha do equador, pela primeira vez estou saindo do hemisfério sul para o hemisfério norte, uma pena o local estar completamente destruído, todo pichado e mal conservado o Governo de Roraima parece não investir muito no turismo do estado, falta muita coisa. Voltando a estrada, mais a frente encontro um casal de franceses que também viajavam de bicicleta, com bikes muito simples e um trailer acoplado a uma delas que pesava uma “tonelada”, quando você acha que esta fazendo uma loucura, na estrada muitas vezes encontramos pessoas mais loucas que nós, viajando de formas surpreendentes, isso revela para mim que para fazer cicloturismo basta vontade não importa ter equipamentos top de linha e ultra modernos, eles podem ajudar é claro, mas não são obrigatórios, o que importa mesmo é o querer.
No quilômetro 60 do dia chego a Vila do Equador, depois dela, a 48 km tem a Vila Nova Colina, essa parte da estrada tem a pavimentação muito ruim e quando passam carros e caminhões levanta muita poeira, desde a reserva a estrada possui essas condições, a diferença vai ser só na densidade da floresta, em Roraima o desmatamento é muito alto, e quase sempre as margens da BR 174 possui grandes áreas destruídas, triste de se ver logo depois de cruzar a reserva indígena, um contraste assombroso – a paisagem é de um descampado com vestígios de queimadas que deixaram somente a base do tronco das árvores, um assassinato a floresta que até hoje ainda sofre com a ganância do ser humano pelo dinheiro, o valor da madeira é muito alto e a fiscalização é ineficiente em meio as dimensões da floresta.
Quinto dia, pedal leve, saio da Vila Nova Colina em direção a Rorainópolis a 40 km de distância, decidi ficar um dia de repouso para me alimentar melhor e recuperar as energias no conforto de um quarto e uma cama, fiquei em uma pousada baratinha que custou R$ 35,00 por 2 pernoites. Rorainópolis é a segunda maior cidade depois de Boa Vista, um tanto desorganizada com problemas de saneamento básico e moto pra todo lado, a motorização das cidades do interior são cada vez mais rápidas.
Domingo, 01 de Agosto, as 5:00 AM já estou na ainda escura estrada, sem sinal do sol e a medida que ele vai aparecendo é possível ver a neblina sob a floresta, que da forma aos raios solares que percorrem entre as árvores, o silêncio só é quebrado pelos cantar do acordar dos pássaros, a temperatura amena da manhã deixa o clima muito agradável – o dia será longo, o plano é pedalar aproximados 160 km até a cidade de Caracaraí, bem próximo de Boa Vista, 130 km, é o penúltimo dia de viagem.
Chego na chamada bola do 500, faço um lanche pois daqui pra frente, pelos próximos 80 km, não existe nenhum apoio e tinha que puxar o pedal. A medida que a hora vai passando o calor também vai aumentando – as infinitas retas são grandes armadilhas psicológicas, olha-se para frente e o infinito da estrada parece não levar a lugar nenhum – a floresta amazônica está bem ao fundo, o desmatamento e a transição da vegetação para o lavrado diminui consideravelmente sua densidade e torna o clima seco, me fazendo implorar por uma chuva.
Pedalei 120 km, a manhã inteira e o início da tarde, até as 1:00 PM quando finalmente encontrei um apoio em um restaurante de beira de estrada, refeição reforçada e descanso merecido para agüentar mais 40 km e chegar no destino planejado, Caracaraí. No meio da tarde volto a estrada com a tão desejada chuva, que cai fina e alivia o calor da estrada, em pouco tempo estou atravessando a ponte que cruza o Rio Branco e chego ao ponto final, o dia foi muito longo e analisando calmamente pareceu uma eternidade.
Sétimo e último dia de viagem, já estou no lavrado, a estrada que me leva à Boa Vista é nova e perfeita para pedalar, por outro lado o movimento de veículos também é um pouco maior – os grandes campos é a paisagem principal com algumas montanhas espaçadas e pontuais ao fundo, o relevo é praticamente plano com a maior parte das subidas leves. A animação da chegada é enorme, aconteceram muitas coisas até chegar aqui, as infinitas ladeiras da saída de Manaus, cachoeiras de Pres. Figueiredo, reserva indígena, dores no joelho, a abundante fauna da Amazônia entre outros, foram 7 dias emocionantes que só foram possíveis viver em cima de uma bicicleta, pedalando lentamente e desfrutando do mínimos detalhes. Agora chegada a hora de descansar e depois seguir para a próxima etapa, ir para a Venezuela e conquistar o Monte Roraima.