19/05/2010 – Depois da trilha do mangustão ainda tive pouco mais de duas semanas na bela Belém, nesse período fiquei na casa de Ivan Lopes, um irmão e grande amigo que ganhei no Pará, um cara simples e de coração gigante, fico muito agradecido por sua companhia e hospitalidade. Além dele ganhei mais dois casais como amigos, Gustavo e Gabi e Romero e Jô, me proporcionaram noites de muitas risadas, jogando Wii, saindo a noite para conhecer Belém, tudo isso só dificultou ainda mais a minha partida da cidade, eu me apego muito fácil as pessoas e nas despedidas sempre ficam o sentimento de saudade.
Belém foi uma explosão de encontro de boas pessoas, uma cidade em que guardo um carinho enorme e ótimas lembranças sou eternamente grato a Ivan Lopes, Romero, Jô, Gustavo, Gabi, Fábio Talui, Elisa, Murillo, Sérgio, Leon, Suzanne, Carol, Marquinhos, João, Carlinhos, Guilherme, Aninha, Paulinha, Velasco, Gabriel, Cidália, Cidalinha e toda a galera “pai d’égua” do Couch Surfing que conheci.
Era chegada a hora do embarque, com a passagem comprada a poucos dias atrás com um cambista tive a maior dor de cabeça e quase que não consigo embarcar, o bilhete que havia comprado não era para aquele porto e não tinha mais tempo para ir até o outro, já estava em cima da hora, além de que me falaram que a estrada até lá era perigosa. Liguei para o infeliz e ele já não estava mais nas docas, um outro cambista veio falar comigo, ofereci então R$ 20,00 para ele fazer a troca da passagem, já que no guichê não tinha essa possibilidade, a passagem para Santarém no final me custou R$ 120,00 e um aprendizado, nunca compre bilhete com cambista, as vezes você quer ajudar mas só vai ter raiva com tanta desonestidade.
Passada toda a agonia do embarque no navio agora era só relaxar em minha rede e assistir o rio passar na companhia do “Pelos Caminhos de Nuestra América” – livro do Rafael Limaverde, desde Fortaleza que venho carregando ele e não conseguia terminar de ler, mas finalmente esse era o momento perfeito, meus segundo seriam exclusivos para leitura e reflexão da viagem, já são 9 meses fora de casa em uma viagem de bicicleta. A cada página que vou lendo do livro de Rafael consigo me ver em diversos momentos, a cada palavra percebo como pensamos de forma semelhante a respeito de uma viagem de bicicleta.
Viagem dos Sentidos
A bicicleta te dá a possibilidade de sentir um local mais do que qualquer outro tipo de transporte. Cada local tem um perfume, cheiro de fumo brabo, às vezes a farinha torrando. Algumas vezes é catinga de carniça, outra é o perfume das senhoras na parada de ônibus indo pra missa. Sentir os cheiros do Mundo.
O silencio da bicicleta faz também você ouvir os sons da natureza, das maquinas agrícolas, do choro do menino, das risadas e dos murmurinhos.
O olhar também é mágico. Os 14 segundos que você passa pedalando pela frente de uma casa à beira da estrada já te dá uma idéia de como eles vivem. Como as constroem, como cozinham, o que fazem, como trabalham e como descansam. Como as crianças brincam, as brigas, os amores… A pouca velocidade faz você perceber todos esses detalhes e melhor é que não interfere na sua rotina a não ser aqueles poucos segundos que eles param para te olhar. Na verdade, viajar de bicicleta é uma troca de “perceberes”. (Rafael Limaverde)
Dessa forma vão passando as horas, as vezes lendo, as vezes fotografando ou observando as pequenas vilas ribeirinhas de onde saem crianças e mulheres em pequenas canoas e barcos pedindo doação às pessoas – me pergunto sobre o que eles realmente precisam e não consigo achar uma resposta, fato é que é triste ver várias crianças pedindo enquanto na verdade deveriam estar brincando ou estudando – a outra situação são das crianças em uma pequena canoa, remando em sincronia e rapidamente na direção do navio para vender as frutas, são os ambulantes ribeirinhos – quando chegam próximo a lateral, com muita destreza lançam um gancho ao pneu de proteção do navio atracando-se, mais parecem boiadeiros, a velocidade do navio exige uma grande habilidade para evitar a perda do controle da canoa, enquanto um controla a direção dela o outro aos poucos puxa a corda para ancorar-se ao navio, tudo acontece muito rápido, feito isso eles colocam os baldes na cabeça e saem vendendo frutas diversas e camarão seco – deve ter cuidado também com os furtos, qualquer vacilo eles atiram-se junto com as mochilas rio abaixo restando somente a roupa do corpo pois provavelmente o barco não fará nada para recuperar os pertences.
A viagem é muito gostosa e poderia ser melhor se o barco tivesse maior qualidade, o sol na Amazônia não alivia e próximo do meio dia o calor é intenso, mesmo na sombra, fato é que o barco não possui nenhuma proteção, esquentando a lataria dele transmitindo o calor para dentro dos ambientes – banho de hora em hora, chego a tomar 6 banhos por dia para aliviar o calor – a comida é extremamente limitada, variedade não existe a opção é uma só – a trilha sonora na verdade é uma tortura aos ouvidos – uma pena esse serviço ser de mal qualidade, pois poderia ser uma forte vertente para o turismo e geração de emprego e renda – o navio que estava a bordo se chamava Rondônia.
Penúltimo dia de viagem, era uma tarde muito quente, eu estava a fotografar as belas paisagens do amazonas quando ouso um grito de socorro dentro do barco, olho para trás, um senhor com seus 81 anos estava desacordado e sua filha desesperada pedia ajuda, corro para tentar ajudar, por 10 segundos me sinto completamente incapaz de fazer alguma coisa, não movia um músculo até quando percebi que tinha que retira-lo para um lugar mais arejado, eu e mais 3 rapazes conseguimos mudá-lo de espaço ele re-acordou e então levamos ele para a enfermaria, infelizmente o Sr. Francisco não resistiu, o barco não possuía os equipamentos necessários para primeiros socorros como também não haviam pessoas capazes da fazer um atendimento de emergência, a única enfermeira presente estava mais perdida do que todo mundo, definitivamente uma fatalidade que poderia ter sido evitada caso o proprietário do navio tivesse o mínimo respeito pelos seus clientes e as fiscalização cobrasse deles.
Chego a Santarém com um sentimento estranho, de questionamento, pensando no sentido da vida, como as vezes deixamos escapá-la e/ou perdemos tempo com coisas supérfluas, guardando rancores antigos e não perdoando aqueles de qual gostamos e temos certa afinidade. A vida é pra ser vivida de forma que nos faça feliz, ajudando sempre o próximo com solidariedade e humildade, respeitando o meio em que vivemos garantindo a sustentabilidade seja ela qual for.
Veja o album completo da viagem aqui.
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